sexta-feira, 24 de junho de 2011

Debate : Regularização da Maconha


Fernando Groistein diretor do filme " Tabu" e o Dr. Ronaldo Laranjeira, especialista em dependência química pela UNIFESP, no programa "Entre Aspas" da Globo News apresentado no dia 16.06.2011.


Existem outros especialistas renomados em Dependência Química na UNIFESP  e no GREA USP, é uma pena que chamem sempre o mesmo para entrevistas, o próprio Fernando cita alguns nomes importantes como o "Dr. Dartiu Xavier da Silveira e o Dr. Elisardo Carlini". 
Estão começando a discutir, a regularização/legalização da Maconha.

Plano Nacional para o tratamento de dependentes

Fazenda da Paz será referência em plano nacional para dependentes



cidadeverde.com

Foi criada comissão multiministerial que irá elaborar plano nacional para o tratamento de dependentes químicos.A reunião entre a presidenta Dilma Rousseff e representantes de comunidades terapêuticas para o tratamento de dependentes químicos de todo o país, foi considerado um marco para os defensores da causa anti-drogas. No encontro, foi criada uma comissão multiministerial que irá elaborar juntamente com as entidades, um amplo plano nacional para o tratamento de dependentes químicos que terá como exemplo, a Fazenda da Paz, que funciona em Teresina.
Para o coordenador Geral da Fazenda da Paz e representante da Federação Norte e Nordeste de Comunidades Terapêuticas, Célio Luiz Barbosa, o encontro com Dilma foi histórico. “Há 40 anos se buscava um diálogo com as autoridades, mas ninguém queria falar com você. De repente, a presidente nos convoca. Isso rompe paradigmas, modifica conceitos, retira preconceitos”, declara.  
Ele explica que o governo criará um plano que irá atingir a todos os Estados do país e que a equipe de trabalho envolve Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social, Casa Civil, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e Federações de Comunidades Terapêuticas. “Um ponto importantíssimo é que as federações terão o mesmo grau de importância na elaboração do plano. Isso nunca aconteceu antes”, ressalta Célio. Já nesta sexta-feira (24), os ministérios farão uma reunião entre si, e, na próxima semana, toda a frente se encontra novamente.
Entre os pontos a serem contemplados na ação de políticas públicas estão a prevenção, reinserção social, tratamento dos dependentes em todos os níveis, pesquisa e repressão. “Porque não adianta contemplar apenas as comunidades terapêuticas. É preciso fortalecer os programas de Saúde que já existem, como o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), consultórios de rua, hospitais de alta complexidade da dependência química”, descreve Célio.  
Ação
Durante a reunião, a presidenta Dilma já encaminhou ao Ministério da Saúde, uma antiga reivindicação das entidades que trabalham com dependentes químicos: a correção do texto que reza sobre estas entidades na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Várias nomenclaturas da Anvisa nos obrigava a ter um perfil de hospital e impedia de receber recurso. Um simples termo ‘dispensação’  torna obrigatório que tenhamos farmacêutico. São essas coisas que eram uma luta antiga e sempre complicaram a vida das federações terapêuticas”, diz o presidente da Fazenda da Paz.
Também está previsto o financiamento público das entidades, que devem receber R$ 800 para cada homem tratado e R$ 1.200 no caso de mulheres e adolescentes. O financiamento previsto será através do Ministério da Saúde e BNDES.
Outros pontos serão discutidos posteriormente. Segundo Célio, um pequeno plano deve ser elaborado até 30 de julho. Até o final de novembro, o plano nacional deve ser concluído para ser lançado no início do ano que vem.
Célio faz questão de declarar que todo este processo começou ainda no governo Wellington Dias, que integra como senador a Frente Mista de Combate ao Crack; e tem apoio do governador Wilson Martins e de diversos parlamentares, como a deputada federal Iracema Portela, que integra a Comissão Especial de Políticas Públicas de Combate às Drogas na Câmara dos Deputados; a deputada Estadual Rejane Dias;  a Secretária de Saúde Lílian Martins que propiciou o encontro com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
“Temos que falar destas pessoas porque eles estão engajados nisto e fizeram com que o ministro conhecesse a Fazenda da Paz e abraçasse a causa, rompendo paradigmas dentro do próprio Ministério ao ser o primeiro a visitar uma comunidade terapêutica no Piauí”, declarou.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Crack: uma droga do "high society"?

“O crack destruiu meu pai”

Herdeira de uma família de empresários cariocas, Isabella Lemos de Moraes prepara livro sobre a dependência química do pai

Flavia Salme, iG Rio | 23/02/2011






Isabella Lemos de Moraes decidiu contar em livro como sua família lidou com a dependência química do pai, que foi viciado em crack

“Desde os anos 70 o crack é uma droga do high society. Só que ninguém fala.” A afirmação é de Isabella Lemos de Moraes, filha mais velha de João Flávio Lemos de Moraes, um dos herdeiros do outrora poderoso grupo Supergasbras, onde chegou a ocupar o posto de vice-presidente do Conselho de Administração. Em entrevista ao iG, sua filha detalha agora o drama familiar: durante sua adolescência e juventude, Isabella viu o pai virar dependente químico e, mais tarde, ser diagnosticado com transtorno bipolar.

 “O crack destruiu meu pai, e minha família também adoeceu”, diz Isabella, a mais velha de quatro filhos do empresário (há quatro anos, a família descobriu que João Flávio teve uma filha, Hailey, de 18 anos, nos Estados Unidos, em uma relação extraconjugal). Ela planeja organizar um livro contando os dramas e as histórias de superação da sua família, conforme antecipou a colunista Lu Lacerda .
A ideia, segundo Isabella, surgiu em 1990 quando ela leu “Little Girl Lost”, a autobiografia da atriz norte-aricana Drew Barrymore sobre a dependência de álcool e droga. Isabella afirma que nunca usou drogas, mas viu seus dramas mais íntimos relatados no livro da atriz. Desde então, quis compartilhar sua experiência, mas só agora – após dois anos ininterruptos de análise – começa a elaborar tudo o que viveu.
A família de Isabella ficou conhecida graças ao império Supergasbras Distribuidora de Gás S/A, fundado por seu avô Wilson Lemos de Moraes, que faleceu no ano passado. O clã alienou a empresa em 2004, quando passou a se dedicar à parceria com a montadora Scania, de quem é representante para a América Latina. Os Lemos de Moraes também atuam no agronegócio, com fazendas de café e criando gado para corte.
"Na alta sociedade tem muita gente usando crack e a família não fala porque parece ser aquela droga suja, de rua"

Nas décadas de 1970 e 1980, João Flávio foi um personagem conhecido da sociedade carioca. Foi repetidas vezes mote de reportagens da extinta revista Manchete, homenageado especial no programa “Boa Noite, Brasil”, de Flávio Cavalcanti e amigo de Roberto Carlos, que se tornou padrinho de seu filho João Flávio Lemos de Moraes Filho. Colunas sociais da época o tratavam como o “Alain Delon” brasileiro, em referência à beleza e ao poder de sedução do famoso ator francês.
Nos anos 1980, João Flávio se mudou com a família para Los Angeles (EUA). “Foi lá, aos 10 anos, que descobri que meu pai era viciado”, conta Isabella. A partir daí, segundo ela, a família passou a acumular uma série de histórias tristes que ela pretende compartilhar no livro que prepara, para “contar casos de superação”. Ela própria sofreu crises de anorexia e bulimia, e hoje entende isso como um pedido de socorro de uma jovem diante de uma família que também adoeceu com a dependência química do pai.
Procurado por e-mail e por telefone, João Flávio – livre das drogas há cerca de 5 anos – nada comentou sobre a decisão da filha de relatar em livro as histórias da família. Isabella diz que será cautelosa na edição: “Minha família vai ler tudo antes. A ideia não é expor ninguém, mas contar como um ambiente com drogas pode ser muito ruim para todos os que vivem nele”, explica. “Quero que minha história possa ajudar outras pessoas, assim como o livro da Drew Barrymore me ajudou”, diz.
Aos 35 anos, ela cursa o quarto período de jornalismo na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Isabella é mãe de um adolescente de 15 anos e atualmente está solteira. Seu maior projeto no momento é se dedicar à profissão escolhida. “Quero escrever uma coluna em revista, sobre coisas que possam ajudar as pessoas”, diz.
A seguir, a entrevista de Isabella ao iG:
iG: Não teme que o livro cause desconfortos?
Isabella Lemos de Moraes: Na alta sociedade tem muita gente usando crack e a família não fala porque parece ser aquela droga suja, de rua, pesada. Os que enfrentam esse problema na família costumam dizer que a internação ‘foi por causa de cocaína’. Não é nada, é crack! Desde os anos 70 o crack é uma droga do high society. Só que ninguém fala. Quanto mais as famílias escondem, pior para a sociedade e para quem está usando. O livro não tem o objetivo de prejudicar ninguém, muito menos meu pai, que eu amo. Quero que ele possa ajudar a pessoas que passam pelo mesmo problema que eu passei em casa e que até hoje tem reflexos na minha vida pessoal.
iG: Seu pai foi dependente de crack?
Isabella: Foi, isso o destruiu. Tem que ter uma campanha muito forte, é um caminho quase sem volta. E meu pai, além disso, tem uma doença psiquiátrica. Ele é bipolar. Também quero chamar a atenção para essa doença, que é séria, e que atinge todas as classes sociais. Eu vivi um inferno. Eu e meus irmãos. Minha mãe ficou 25 anos casada com meu pai. Foi horrível. Todos ficamos cheios de traumas, mas estamos conseguindo superar.
iG: Quando você descobriu que seu pai usava drogas?
Isabella: Aos 10 anos. Tive muita dificuldade de aceitar, eu não sabia direito o que estava acontecendo e menos ainda como lidar com a situação. Nós éramos muito agarrados e, de repente, o comportamento dele mudou. Ele começou a ficar agressivo.
iG: Alguma história te marcou mais neste período?
Isabella: Uma vez, numa alucinação muito grande, em Los Angeles, ele sumiu com meus irmãos, que então tinham 13, 11 e 9 anos. Eu tinha uns 17. Ele achava que eu e minha mãe iríamos tirar os filhos dele, porque ele sabia que estava fazendo coisas inadequadas dentro de casa. A gente deu queixa, e a polícia foi atrás do meu pai. Ele foi pego com uma quantidade enorme de drogas, o que permitiu que a prisão fosse tipificada como tráfico. Um de meus irmãos, que já usava cocaína, teve uma overdose. De uma só vez, vi meu pai ser preso, um irmão ser internado e os outros dois levados para um abrigo, pois, diante disso tudo, minha mãe também passou a ser observada pela polícia. Eles queriam ver se ela era apta a ter a guarda dos filhos. Foi horrível.
iG: Seu pai usava drogas e tinha alucinações na frente dos filhos?
Isabella: Sim, muitas vezes. Ele cismava que conversava com Elvis Presley, por exemplo. Às vezes ficava muito agressivo, eram gritos, brigas infindas. Mas quando ele estava bem, voltava a ser a melhor pessoa do mundo. Eu sinto falta de ter tido um pai mais participativo. Mas a doença dele, a bipolaridade, também ajudou muito nisso tudo.
iG: Você batizou seu filho de João Flávio como forma de homenagear seu pai?
Isabella: Há 15 anos, quando engravidei, eu achava que batizar meu filho com o nome dele era uma forma de mexer com seus sentimentos e convencê-lo a deixar as drogas. Isso era uma ilusão, mas eu achava que podia ajudá-lo. Eu não tinha a consciência que tenho hoje em dia. Hoje eu entendo que ele não fazia nada de sacanagem, mas eu sofria muito com aquilo. Ainda sofro.
iG: Você menciona muito que ficou traumatizada...
Isabella: Eu sentia muito medo. Tive e ainda tenho sérios problemas de autoestima. Aos 17 anos enfrentei a anorexia e a bulimia. E claro que isso tudo tem um porquê. Era uma forma de pedir socorro, de falar “olhem para mim, quem está doente agora sou eu”. Claro que hoje digo isso conscientemente, na época não era.
iG: Você e seu pai já conversaram sobre como ele entrou nessa?
Isabella: Ele alega dois motivos. O primeiro foi o pai dele ter adoecido logo que a gente chegou aos Estados Unidos. Diz que entrou numa depressão muito grande. O segundo era a timidez. Ele era muito requisitado, tinha de estar em festas, em eventos públicos, programas de TV, e alega que a droga o ajudou a vencer a timidez. Curioso é que até os 30 anos meu pai nem álcool bebia. Ele já começou com cocaína, e adoeceu muito rapidamente. A droga o consumiu de uma forma avassaladora. E quando juntou a doença psiquiátrica com a droga, ele não conseguiu sair. Faltou ajuda especializada.
iG: Era vergonha de admitir que ele havia se tornado um dependente químico? Ser de uma família rica e popular atrapalhou?
Isabella: Acho que a vergonha atrapalhou muito. E também acho que o dinheiro pode ter atrapalhado, no sentido de que se imagina que ele resolve tudo. Acho que se meu pai tivesse recebido menos dinheiro, se tivessem passado menos a mão na cabeça dele, se tivessem encarado o problema de frente, com o tratamento certo, com limites – e aí incluo a postura da minha mãe, que deveria ter se separado antes –, talvez tivesse tido jeito. No nosso caso, a maneira como o dinheiro foi usado atrapalhou, sim.
iG: E você nunca usou drogas?
Isabella: Eu peguei trauma de droga. Como contei, ainda tive um irmão que se envolveu com drogas muito precocemente e, claro, pelo acesso à droga que havia em casa. Minha mãe sofreu muito.
iG: Como seu pai reagiu quando soube da sua intenção de escrever o livro?
Isabella: No começo ele teve um pouco de dificuldade, reclamou da exposição. Mas além de todo mundo saber que ele foi usuário de drogas, ele mesmo já participou de uma campanha contra as drogas. Isso não é novidade para ninguém. A novidade é mostrar como eu, minha mãe e todos os meus irmãos passamos por isso. Não é a história de João Flávio Lemos de Morais. É a história de uma família que tem como um de seus integrantes um dependente químico. E ele não tem culpa de nada. O que aconteceu foi por causa das drogas e dos tratamentos equivocados que ele recebeu.

Viciadas em viciados

Viciadas em viciados

Companheiras de dependentes químicos podem apresentar transtornos semelhantes às doenças de seus parceiros

Fernanda Aranda, iG São Paulo

Dificuldade para encarar o espelho: mulheres de dependentes químicos também podem apresentar sintomas de transtorno de comportamento

Adriana, 35 anos, Fábia, 15, Romina, 33, Angélica, 29 estão em tratamento por causa da dependência química sem jamais terem tido algum problema pessoal com bebida alcoólica ou com qualquer outro tipo de droga.
Para que experimentem os dissabores de seus “vícios”, basta assistirem a seus maridos ou namorados exagerarem no álcool, sumirem dias para consumir crack e cocaína ou voltarem para casa maltrapilhos após horas e horas passadas no bar.
Na posição de espectadoras da dependência, estas mulheres, moças e senhoras, percebem que são prisioneiras de um transtorno tão exigente e avassalador como a doença de seus parceiros.
Na literatura especializada e nos consultórios clínicos, o comportamento delas é chamada de “codependência”, transtorno majoritariamente feminino que é despertado – em sua maioria – nas relações afetuosas com dependentes químicos.
Máscaras
“Ora a gente acha que é super-heroína, ora que é vítima da situação. Vamos desempenhando esta troca de papéis e, quando nos damos conta, se é que um dia nos damos conta, já não temos vida própria. Somos movidas a nos dedicar ao outro e, por um momento, gostamos disso”, afirma Romina Miranda Cerchiaro, em recuperação da sua codependência há sete anos.
Depois de pedir a separação do companheiro que tinha problemas com o álcool, Romina desconfiou de que apresentava sinais clássicos de dependência daquela situação que tanto dizia “não aguentar mais”.
“Percebi que se não procurasse ajuda iria continuar com o mesmo comportamento destrutivo, repetindo os mesmos erros, ainda que em outro relacionamento”, conta ela, que é jornalista, escritora e tornou-se pesquisadora da área de codependência.
A conscientização de sua situação fez com que Romina procurasse ajuda especializada e também tivesse vontade de ajudar outras mulheres que viviam dramas como o seu de forma anônima. Hoje, ela organiza grupos de autoajuda em todo o Brasil.
O Delas acompanhou uma destas reuniões, em uma noite chuvosa na capital paulista. No encontro, todas as outras participantes pediram sigilo sobre seu nome e sobrenome. Não era apenas a vergonha que motivava a insistência pelo anonimato. É que o processo para assumir a codependência é tão complexo como o enfrentado para admitir o vício. Existe, primeiro, a negação.

Não é amor?
Fábia, estudante do primeiro ano do ensino médio da capital paulista, garota de rosto infantil e de cabelos quase até a cintura, era exemplo de toda a complexidade que significa assumir o transtorno da codependência na reunião acompanhada pela reportagem. Aos 15 anos, ela poderia abandonar o primeiro namorado, em recuperação do vício de cocaína, e desfrutar de sua juventude em baladas e viagens para o Guarujá. “Mas eu simplesmente não consigo deixar para trás meu namorado, mesmo já tendo sido humilhada, traída e largada para escanteio tantas vezes”, diz.
Ao mesmo tempo em que admitia ser dependente daquela situação, a menina questionava se o seu comportamento não era “só resultado de seu amor”, dúvida que passa pela cabeça da maioria das companheiras e que serve de justificativa para não procurarem ajuda.
“O que tentamos reforçar em nossos encontros é que o sentimento serve de muleta para o comportamento destrutivo”, explica Romina. Segundo ela, não é raro as mulheres mais experientes, que já passaram por outros relacionamentos, se darem conta de que seus namorados antigos também eram dependentes químicos ou tinham algum outro tipo de compulsão, como vício em sexo ou no trabalho.
“Nosso objetivo não é fazer com que elas abandonem seus companheiros. Mas, sim, com que procurem ajuda para si”, acrescenta Romina.
Os especialistas acreditam que a codependência não traz apenas danos às mulheres mas também pode influenciar, negativamente, no processo de recuperação do dependente químico.
“Por isso, é tão importante que o acompanhamento psicológico seja estendido à família do dependente. É só desta forma que o apoio familiar traz efeitos positivos”, afirma Camilla Magalhães, diretora e pesquisadora do Centro de Informações sobre o Álcool (Cisa).
“Por vezes, quando esta mulher toma para si o controle da situação, ela pode cobrar resultados, tornar o processo mais angustiante ou ainda minimizar a dependência do seu companheiro, todas consequências perigosas no tratamento de ambos.”
“Tudo na minha vida”
Se para o dependente de álcool uma taça de vinho pode ser encarada como uma forte tentação – e além de um motivo para a recaída – para o comportamento destrutivo da copendência se manifestar, define a administradora de empresa Adriana, 35 anos, é só ouvir a frase “por favor, me ajuda”.
Adriana é mãe de um garoto de 16 anos e, apesar da rotina apertada de mais de 14 horas de trabalho diário, achou espaço para “uma coleção de relacionamentos destrutivos em série com homens compulsivos.” Os favores pedidos pelas pessoas com quem ela se relaciona são suficientes para a administradora largar tudo que está fazendo – emprego, diversão, sono, filho – e tentar ajudar quem solicitou sua ajuda.
Seria apenas uma postura nobre e altruísta se, entre estas solicitações, não estivessem pedidos que agravam não só a dependência do parceiro, como colocam a própria pele destas mulheres em risco, conforme conta a professora do ensino primário, Angélica, 29 anos.
Escutar que são a razão da vida de seus namorados torna mais difícil negar o pedido por dinheiro, mesmo eu sabendo, lá no fundo, que o destino das notas é a cocaína. “É isso que também me faz buscá-lo altas horas da madrugada na boca de fumo, sabendo que eu posso virar a presa do traficante e até morrer. Semana passada, meu coração ficou partido. Fui buscar meu namorado na biqueira (ponto de tráfico) e no caminho encontrei um aluno meu. Eu estava exposta e expus aquela criança. É a minha carreira, sabe? É difícil saber que não consigo pensar em mim".
Violência
Além das súplicas e juras de amor, existe outro “ingrediente” que agrava a situação da codependência: a violência. Uma pesquisa realizada no ano passado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entrevistou 7 mil famílias de 108 cidades brasileiras e atestou que em quase metade (49,7%) dos núcleos familiares que vivenciaram agressões domésticas, o agressor estava embriagado.
Mas no caso dos dependentes químicos, daqueles que bebem de forma sistemática, existe uma situação pouco abordada. “Na maioria das vezes, é a ausência do álcool (ou de outra droga) que faz a violência se manifestar”, afirma a pesquisadora do Cisa, Camilla Magalhães.
“Oferecer a bebida ao parceiro pode significar trazer de volta a paz para casa. Já acompanhei várias companheiras de dependentes que declararam que o marido ou namorado fica mais romântico e bonzinho quando bebe (ou usa outra droga). Tudo isso pode interferir, ainda que de forma inconsciente, na relação dela com a abstinência dele.”
Tentando ser heroínas, elas podem acabar vilãs.
Só por hoje
Esta dificuldade em estabelecer limites, em se colocar em primeiro plano, em enxergar as próprias fraquezas escondidas na doença de seus amores faz com que as codependentes fiquem à margem de ajuda especializada, pesquisas e foco de atenção da família e dos amigos.
Os grupos de autoajuda acabam como único abrigo e um deles, os Codependentes Anônimos do Brasil (Coda), tem como lema o “só por hoje", tão salvador e utilizado na recuperação de alcoolistas e narcóticos. Nas reuniões anônimas dos codependentes, eles repetem ao final de cada encontro a frase: Só por hoje, eu sou a pessoa mais importante da minha vida”.
Romina Cerchiaro assimilou essa filosofia de vida que em nada tem relação com egoísmo. O desafio agora é encarar o frio na barriga, tão comum em cada nova paixão, como uma sensação natural. A paixão não precisa ser doença.
Como identificar
As perguntas a seguir servem para identificar possíveis padrões de codependência, definidos pelo Coda. Se você apresenta pelo menos dois deles, procure ajuda para conversar sobre isso.
• Você se sente responsável por outra pessoa? Pelos sentimentos, pensamentos, necessidades, ações, escolhas, vontades, bem-estar e destino dela? 
• Você sente ansiedade, pena e culpa quando outras pessoas têm problemas? 
• Você se flagra constantemente dizendo "sim" quando quer dizer "não"? 
• Você vive tentando agradar os outros em vez de agradar a si? 
• Você vive tentando provar aos outros que é bom o suficiente? Você tem medo de errar? 
• Você vive buscando desesperadamente amor e aprovação? Você se sente inadequado? 
• Você tolera abuso para não perder o amor de outras pessoas? 
• Você sente vergonha da sua própria vida? 
• Você tem a tendência de repetir relacionamentos destrutivos? 
• Você se sente aprisionado em um relacionamento? Você tem medo de ficar só? 
• Você tem medo de expressar suas emoções de maneira aberta, honesta e apropriada? 
• Você acredita que se assim o fizer ninguém vai amá-lo? 
• O que você sente sobre mudar o seu comportamento? O que impede-lhe de mudar? 
• Você ignora os seus problemas ou finge que as circunstâncias não são tão ruins? 
• Você vive ajudando as pessoas a viverem? Acredita que elas não sabem viver sem você? 
• Tenta controlar eventos, situações e pessoas por meio de culpa, coação, ameaça, manipulação e conselhos, assegurando assim que as coisas aconteçam da maneira que você acha correta? 
• Você procura manter-se ocupado para não entrar em contato com a realidade? 
• Você sente que precisa fazer alguma coisa para sentir-se aceito e amado pelos outros? 
• Você tem dificuldade de identificar o que sente? Tem medo de entrar em contato com seus sentimentos como raiva, solidão e vergonha 
 
Onde procurar ajuda
Codependentes Anônimos do Brasil
Amor exigente
www.codependencia.com.br 
CAPSad - Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
Consultórios de psicólogos especializados

Aumenta alcoolismo em mulheres de meia idade

Internação por alcoolismo aumenta em mulheres de meia idade

Em pacientes acima dos 50 anos, registros cresceram 7,6% em um ano. Em homens, houve queda de 2%

Fernanda Aranda, iG São Paulo | 15/03/2011 


O vazio sentido por Laura depois que os filhos, crescidos e encaminhados, saíram de casa 
foi preenchido por álcool.

Toda tarde, após deixar o consultório onde trabalha como médica, ela brindava – sem alegria – à própria solidão. O uísque do marido foi encarado como fonte daquilo que acreditava ter perdido com a menopausa. Bebeu até a última gota de incontáveis garrafas. Jamais encontrou o que procurava.

A médica tornou-se paciente por dependência química aos 56 anos de idade. No ano passado, 1.483 mulheres com mais de 50 anos foram internadas em hospitais de todo País por uso abusivo de álcool, um aumento de 7,2% em relação a 2009, mostra levantamento feito pelo Delas nos dados do Ministério da Saúde. Entre os homens de mesma faixa etária houve decréscimo de 2% neste tipo de internações.

Apesar dos registros oficiais mostrarem que o encontro com a bebida na meia-idade é crescente, este tipo de alcoolismo feminino tardio permanece invisível para a sociedade.
“Estas mulheres bebem dentro de casa, longe dos olhos dos filhos, amigos e companheiros”, afirma Silvia Brasiliano, psicóloga do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Na avaliação de Patrícia Brunfentrinker Hochgraf, médica coordenadora do Promud, este aumento estatístico indica que, aos poucos, o problema começa a aparecer debaixo do tapete. “Procurar ajuda nesta idade é um passo mais recente”, afirma
“Além de todos os danos resultantes da dependência do álcool, as mais maduras convivem com o estigma de que é feio mulher mais velha beber. As jovenzinhas até são perdoadas. Já elas precisam se esconder.”
Preferência de risco
Este uso envergonhado de bebida alcoólica pode até evitar os “porres” em praça pública mas não poupa as usuárias dos riscos. Uma das pacientes em tratamento no Hospital das Clínicas de São Paulo, de 60 anos, sanava a vontade de beber com álcool de limpeza. Tudo para evitar o julgamento do caixa do mercado que ficava em sua vizinhança, onde todo dia ela comprava o produto.
“Prefiro que ele pense que sou maníaca por limpeza do que uma bêbada que não vive sem vinho”, confessou durante a sessão de terapia que faz parte do tratamento de recuperação.
Álcool ou remédio?
Transformar o álcool higiênico em “drinque” é apenas uma das adaptações. De acordo com os especialistas, a maior parte das pacientes com mais de 45 anos utiliza as bebidas alcoólicas como remédio para a tristeza profunda que surge no encalço das mudanças vindas com a idade, como partida dos filhos, separações do marido ou aposentadoria.
Um levantamento com as pacientes do Promud identificou que 52% delas tinham depressão associada ao alcoolismo. “Elas se ‘automedicam’ com cerveja, cachaça, uísque ou vodca”, compara Ana Beatriz Pedriali Guimarães, psicóloga da Universidade Federal do Paraná, que estudou em seu doutorado as características do núcleo familiar das mulheres alcoolistas com mais de 45 anos.
Apesar de todas as 30 mulheres pesquisadas por Ana Beatriz terem citado problemas contemporâneos de relacionamento com filhos ou companheiros, uma figura do passado apareceu de forma unânime no discurso das pacientes: a mãe.
“Todas elas relataram relações conflituosas com a figura materna desde a época em que eram crianças. Em geral, foram filhas consideradas as princesinhas dos pais, disputavam espaço com as mães que, não raro, também eram alcoolistas”, informa a psicóloga.
O alcoolismo não é o único hábito ruim passado de mãe para filha detectado no estudo. O comportamento violento também aparece na árvore genealógica. As mulheres alcoolistas pesquisadas por Ana Beatriz conviviam com a violência de forma íntima. Tanto no papel de vítimas quanto no de agressoras.
Este álcool como combustível da agressão familiar aparece no pano de fundo de mudanças consistentes no perfil da violência em São Paulo. Os dados preliminares de 549 homicídios esclarecidos e estudados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), divulgados pela Agência Estado, indicam que os assassinatos dentro de casa passaram de 10% do total em 1999 para 20% em 2010. No ano passado, as mulheres eram 7% das vítimas. Hoje já somam 16%.
Estresse e espelho
Na fatura do crescimento do alcoolismo entre as mulheres de meia idade entra ainda o estresse trazido pelas jornadas exaustivas de trabalho. Os dados colhidos pela reportagem no site do Ministério da Previdência Social mostram que, todo dia, quatro mulheres precisam se afastar do serviço para tratar a dependência química de álcool e outras drogas (em 2010 foram 1.498 licenças trabalhistas).
“O fato positivo neste cenário é que começa um movimento, ainda embrionário, de mudança de postura empresarial”, diz Ana Cristina Fulini, coordenadora terapêutica da Clínica Maia, que atua no acolhimento de dependentes químicas.
“Alguns poucos departamentos de recursos humanos deixaram de considerar o alcoolismo um problema moral e, sim, uma questão médica. Em nossa clínica, já temos executivas encaminhadas pelo RH de seus trabalhos, um avanço.”
A pressão enfrentada por estas mulheres não fica centrada no campo profissional e é afetada também pelo espelho. “Independentemente da faixa etária, muitas dizem que bebem para driblar a fome e, com isso, emagrecer (comportamento chamado de drunkorexia)”, completa a terapeuta Ana Cristina.
Um trabalho conduzido pela psicóloga do Promud Silvia Brasiliano identificou que das 80 dependentes de álcool investigadas, 59% tinham um transtorno alimentar associado. Nos serviços especializados na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi constatado um aumento importante da anorexia na maturidade.

Três vezes vazio
A médica Laura, citada no início da reportagem, resume que todos estes componentes por de trás do alcoolismo na meia idade compõem o vazio que é visto, pela maioria, como gatilho da dependência tardia.
O vazio também está na sala de espera das unidades que tratam estas mulheres, já que maridos e filhos não costumam acompanhá-las no tratamento. Mais uma vez o vazio aparece dentro dos hospitais especializados, já que elas resistem ao atendimento.
“Abrimos uma unidade feminina e elas (pacientes) não vêm. São resistentes mesmo. Metade dos leitos está vazia. Na unidade masculina, ao contrário, são filas de espera”, lamenta a psiquiatra Alessadra Diehl, coordenadora do serviço feminino da Unifesp em São Bernardo do Campo, aberto há um mês.
Laura está em recuperação há 15 dias. O vazio primeiro foi preenchido por vergonha. Agora, o momento é de resgate. “Tenho saudades de ser mais ativa e produzir mais. Inclusive a depressão me levou a deixar de trabalhar por prazer. Hoje nem gosto mais de trabalhar, vou por obrigação”. A médica ainda está vazia. Mas agora, acredita, está pronta para se reencontrar.